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Estudo científico amplamente citado sobre efeitos das microesferas pode ter sido fraude

Categoria: Novas Tecnologias


Um estudo que alertou sobre os efeitos das microesferas plásticas sobre a saúde dos peixes, publicado na revista Science em junho do ano passado, está à beira de ser retratado.

Em um caso envolvendo falta de dados, métodos de pesquisa de má qualidade e falsificação pura, o estudo amplamente citado se torna um dos exemplos mais flagrantes de fraude científica nos últimos tempos.

Após um inquérito de nove meses, um grupo de especialistas do CEPN (Central Ethical Review Board – ou Conselho Central de Revisão Ética da Suécia) concluiu que os pesquisadores da Universidade de Uppsala, Oona Lönnstedt e Peter Eklöv, cometeram fraude científica ao realizarem uma investigação sobre os efeitos das partículas microplásicas (ou microesferas) nas larvas de peixes-donzela.

No seu relatório, a equipe do CEPN criticou a Science por sua negligência, escrevendo: “É notável que o artigo, dadas as deficiências, tenha sido aceito pela revista”. O conselho de ética está agora solicitando que a Science retrate o papel – coisa que a revista está se preparando para fazer, aparentemente.

A declaração original

No estudo, Lönnstedt e Eklöv demonstraram que peixes expostos a altas concentrações de partículas microplásticas (pequenas esferas de poliestireno) exibem comportamentos alterados e crescimento retardado, tornando-os mais suscetíveis aos predadores.

De forma perturbadora, as larvas – que foram expostas às microesferas em aquários – pareciam desenvolver uma preferência por elas em relação a fontes naturais de alimento, marcando a primeira vez que os cientistas observaram tal comportamento.

O estudo destacou uma nova e importante preocupação ambiental associada a microesferas, que medem 5 a 10 micrômetros de diâmetro e não podem ser filtradas por sistemas de tratamento de água.

Estes pequenos pedaços de plástico são comumente encontrados em produtos cosméticos como batom e rímel, produtos de limpeza facial, pasta de dentes e produtos similares, e muitas jurisdições proibiram ou estão considerando proibições sobre seu uso.

A investigação

Em agosto de 2016, alguns cientistas notaram incoerências no estudo e incitaram a Universidade de Uppsala a conduzir uma investigação preliminar de desonestidade científica. Notavelmente, a universidade não encontrou nenhuma evidência de fraude.

Em setembro, Bertil Borg, da Universidade de Estocolmo, foi designado para liderar a investigação do CEPN, e sua equipe chegou a uma conclusão muito diferente.

Os problemas

Na Science, Lönnstedt e Eklöv alegaram que um comitê de ética animal havia dado aprovação para os experimentos. O CEPN diz que isso simplesmente não é verdade, e que a aprovação foi dada para espécies de peixes diferentes das usadas nos experimentos. Por si só, isso já é muito ruim, mas é apenas a ponta do iceberg.

Por exemplo, há uma surpreendente ausência de dados para apoiar as afirmações dos pesquisadores. A razão, dizem Lönnstedt e Eklöv, é que o laptop contendo os dados da pesquisa foi roubado – somente alguns dados armazenados em bancos da universidade puderam ser salvos. Os pesquisadores dizem ainda que algumas informações originais podem ser encontradas na seção de materiais complementares do artigo, mas tais materiais não foram fornecidos.

“[Os pesquisadores] produziram apenas fragmentos fracos dos dados originais e nenhum arquivo de dados rastreável original”, escrevem os autores do CEPN em seu relatório. “[Isto] leva à suspeita de que a pesquisa não foi conduzida, pelo menos não à extensão relatada. Pode-se considerar particularmente notável que o artigo foi enviado para publicação sem a presença dos dados necessários. O Grupo de Especialistas considera que as deficiências em termos de dados originais são de tal gravidade numa perspectiva de ética que Peter Eklöv e Oona Lönnstedt, por sua incapacidade de apresentar dados originais, são culpados de desonestidade científica”.
O CEPN também suspeita que Oona Lönnstedt não esteve presente na Ar Research Station de Gotland, uma ilha do Mar Báltico onde as experiências foram supostamente realizadas, pelo menos não durante o período de tempo indicado. O conselho de ética pediu para ver a documentação do trabalho realizado por Lönnstedt na estação, mas esta não foi providenciada.

Falta de experimentos de controle

O grupo do CEPN também questionou os métodos e conclusões alcançados no artigo. Os pesquisadores de Uppsala disseram que não removeram nenhum dos detergentes encontrados nas partículas microplásticas, o que apresenta um problema de contaminação muito grave. É possível que os detergentes, e não o plástico, tenham causado os efeitos observados nos peixes.

Outras preocupações experimentais incluíram o tamanho relatado das larvas, quantas vezes a água foi trocada e sua temperatura, entre outros fatores.

“Se os experimentos foram conduzidos da maneira descrita pelos autores, sua interpretação, bem como do trabalho como um todo, deve ser questionada devido à ausência de experimentos de controle adequados”, observou o relatório do CEPN.

O conselho de ética afirma que Lönnstedt e Eklöv tiveram múltiplas oportunidades para se explicar, mas não deram qualquer esclarecimento de natureza satisfatória.

Como resposta, os pesquisadores de Uppsala afirmam que Borg tem laços com cientistas que originalmente criticaram o papel, e que ele é tendencioso.

O conselho de ética diz que esse tipo de cruzamento é “inevitável” em um campo estreito de pesquisa, e que a associação não desqualifica Borg, ou membros do conselho de investigação.

E a universidade?

É importante ressaltar que não é somente a revista Science que fez feio por não realizar uma revisão decente da pesquisa.

O fato de que a investigação preliminar da Universidade de Uppsala não encontrou nenhuma evidência de fraude também é bastante espantoso.

“Este parece ser mais um exemplo de uma universidade falhando em se policiar corretamente”, observou Ivan Oransky, cofundador do Retraction Watch, um blog que relata retratações de artigos científicos. “É hora de cada país considerar seriamente um órgão de supervisão independente por má conduta científica”.

Cosmetic Innovation, (11/05/2017)

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